Unidade 1 - Universo Interior
Retome o texto produzido no início da Unidade 1, faça a autoavaliação dele e reescreva-o fazendo as adequações necessárias quanto ao gênero proposto. Utilize o link a seguir para postar a versão final de seu texto para que todos os colegas possam prestigiá-lo.
Aula introdutória
Diálogo e reflexão
Desafio
Descreva as fotografias a seguir.
b) Onde esses fatos acontecem?
c) Em que estado emocional as pessoas retratadas estão?
d) Que lembranças as fotos lhe trazem?
Produção de texto inicial
Escreva uma história apresentando relações entre o fato na fotografia escolhida da atividade 2 e os sentimentos que esse momento lhe proporcionou. Seu texto fará parte de uma coletânea de contos da turma.
Poste aqui o seu texto => Produção de texto Inicial
Produção de texto Inicial
Poste aqui o seu texto => Produção de texto Inicial
Produção de texto Inicial
Atividades
O texto que estudaremos é de Clarice Lispector.
Faça uma pesquisa na internet a respeito da vida e obras de Clarice Lispector e registre em seu caderno.
Ouça o Audiobook do Conto Restos de Carnaval de Clarice Lispector
4. Os contos de Clarice Lispector são marcados por temas psicológicos, de introspecção. Muitos deles discorrem sobre a infância e a adolescência da escritora. Você leu um de seus contos, chamado “Restos de Carnaval”, que trata de uma descoberta da narradora, a partir de uma experiência que teve quando ainda era criança. Ao ler o texto, o que é possível refletir sobre a conexão entre realidade e fantasia que uma festa de carnaval pode proporcionar.
Restos do carnaval, de Clarice Lispector
Clarice Lispector
Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas à ideia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos
nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho, que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.
Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos, já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.
Publicado em Especial Contos para Jovens e Adultos, Dezembro 2005.
- Releia o texto e encontre cinco palavras que não conhece. Busque-as no dicionário online e escreva abaixo uma frase para cada sinônimo encontrado.
5. Ouça a canção “Todo carnaval tem seu fim”, da banda Los Hermanos, e responda às questões
Letras
Todo dia um ninguém José acorda já deitado
Todo dia ainda de pé o Zé dorme acordado
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia
Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado
De que o dia insiste em nascer
Mas o dia insiste em nascer
Pra ver deitar o novo
Todo dia ainda de pé o Zé dorme acordado
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia
Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado
De que o dia insiste em nascer
Mas o dia insiste em nascer
Pra ver deitar o novo
Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada
Toda Bossa é nova e você não liga se é usada
Todo o carnaval tem seu fim
Todo o carnaval tem seu fim
E é o fim, e é o fim
Toda Bossa é nova e você não liga se é usada
Todo o carnaval tem seu fim
Todo o carnaval tem seu fim
E é o fim, e é o fim
Deixa eu brincar de ser feliz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu brincar de ser feliz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu pintar o meu nariz
Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco
Toda escolha é feita por quem acorda já deitado
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado
E pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul
Pra que mudar?
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco
Toda escolha é feita por quem acorda já deitado
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado
E pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul
Pra que mudar?
Deixa eu brincar de ser feliz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu brincar de ser feliz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu brincar de ser feliz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu brincar de ser feliz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu pintar o meu nariz
Deixa eu brincar de ser feliz
Deixa eu pintar
Deixa eu pintar
Letra de Todo Carnaval Tem Seu Fim © Universal Music Publishing Group
Data de lançamento: 2001
b) “Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz!” A felicidade almejada pelo eu lírico da canção é a mesma da personagem do conto “Restos do carnaval”?
6. Agora responda as questões com base no texto da atividade 4.
a) Como a narradora se lembra dos carnavais da sua infância?
b) A narradora gostava dos carnavais que passava durante sua infância? De que forma isso acontecia?
c) Que sonho a narradora conseguia realizar durante o carnaval? Comprove sua resposta com trechos do texto.
d) Releia: “mas houve um carnaval diferente dos outros”. O que tornou tão especial?
e) Transcreva o trecho em que a narradora expressa o que sentiu com a expectativa de usar a fantasia.
f) Que fato está relacionado com o sonho da narradora e suas expectativas quanto à diversão do carnaval?
g) Releia: “O jogo de dados de um destino é irracional?”. Que relação essa frase tem com o momento pelo qual a narradora passa?
Pesquise na internet e anote no caderno definições para tempo cronológico e tempo psicológico.
sugestão de site: https://www.kuadro.com.br/posts/elementos-da-narrativa-tempo-e-espaco/
8. No conto de Clarice Lispector, qual é o tempo predominante: cronológico ou psicológico? Explique sua resposta.
Justifique a sua escolha.
e. Sobre o foco narrativo, pode-se dizer que:
14. "Restos do carnaval" é considerado um conto psicológico. Preencha os espaços com as palavras do quadro para completar o conceito desse gênero. Mas cuidado, pois há três delas que não são adequadas ao contexto.
15. Você se lembra do discurso direto livre (técnica narrativa resultante da mistura dos discursos direto e indireto)? Identifique esse tipo de discurso no trecho a seguir, extraído do conto psicológico "Gertrudes pede um conselho", também de Clarice Lispector.
16. Leia agora um trecho de outro conto de Clarice Lispector, "Feliz aniversário", que narra a história de uma festa de aniversário de uma senhora de 89 anos.
17. Que semelhanças e diferenças você pode encontrar entre o conto "Restos de carnaval" e os trechos de "Feliz aniversário" e "Gertrudes pede um conselho"? Considere os aspectos:
* gênero textual.
* foco narrativo.
* tempo cronológico.
* tempo psicológico.
* universo da personagem>
Pesquise na internet e anote no caderno definições para tempo cronológico e tempo psicológico.
sugestão de site: https://www.kuadro.com.br/posts/elementos-da-narrativa-tempo-e-espaco/
7. Associe as colunas de forma adequada.
A narradora ganha uma fantasia e se prepara para
a folia do carnaval quando a mãe fica doente. Após a situação se acalmar, ela
vai à rua brincar e um menino a cobre com confete.
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Tempo cronológico:
futuro
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Momento em que a narradora escreve sua história.
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Tempo psicológico
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A narradora sente dificuldade em
escrever, pois sabe que irá constatar que, mesmo
com pouco, ela era feliz.
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Tempo cronológico:
passado
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Não aparece na história.
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Tempo cronológico:
presente
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8. No conto de Clarice Lispector, qual é o tempo predominante: cronológico ou psicológico? Explique sua resposta.
9. Releia a frase: "Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro" (...). A palavra destacada pode ser substituída, sem perder o sentido, por:
(A) esperançoso.
(B) melancólico.
(C) tenebroso.
(D) alegre.
(B) melancólico.
(C) tenebroso.
(D) alegre.
Justifique a Sua escolha.
10. No trecho: numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos já lisos de confete",
(A) carinho é oposto de grossura, e brincadeira é oposto de sensualidade.
(B) carinho é oposto de sensualidade, e grossura é oposto de brincadeira.
(C) carinho é oposto de brincadeira, e grossura é oposto de brincadeira.
(D) carinho e grossura são sinônimos, e carinho é oposto de sensualidade.
Justifique a sua escolha.
11. Releia o trecho: "Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco". O verbo destacado tem o mesmo efeito de sentido se for substituído por sua forma composta, que é:
(A) tivesse aprendido.
(B) houvesse aprendido.
(C) tinha aprendido.
(D) houvera aprendido.
(B) houvesse aprendido.
(C) tinha aprendido.
(D) houvera aprendido.
Justifique a sua escolha.
12. Explique a relação entre os tempos passados no trecho: "eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco".
13 Pensando na estrutura do texto de Clarice Lispector, assinale as alternativas corretas.
a. O texto Se enquadra no gênero:
(A) conto.
(B) diário.
(C) biografia.
(D) autobiografia.
(D) autobiografia.
b. Ainda no que se refere ao gênero textual, sua subdivisão seria:
(A) aventura.
(B) psicológico.
(C) terror.
(D) fantástico.
(B) psicológico.
(C) terror.
(D) fantástico.
c. O tema principal da história refere-se a questões:
(A) existenciais.
(B) polêmicas.
(C) culturais.
(D) do cotidiano.
(B) polêmicas.
(C) culturais.
(D) do cotidiano.
d. A história foi narrada no tempo:
(A) presente.
(B) passado.
(C) futuro.
(D) há uma mescla de presente com passado.
(B) passado.
(C) futuro.
(D) há uma mescla de presente com passado.
e. Sobre o foco narrativo, pode-se dizer que:
(A) está em 1a. pessoa.
(B) está em 3a. pessoa.
(C) há uma mescla dela e 3a. pessoas.
f. As personagens estão envolvidas em:
(A) investigações sobre mistérios.
(B) aventuras fantásticas.
(B) aventuras fantásticas.
(C) reflexões sobre a vida e conflitos emocionais.
(D) relatos de sua história de vida.
g. A sequência organizacional da história foca a:
(A) argumentação.
(B) descrição.
(C) narração.
h. Há descrição das características físicas das personagens?
(A) Sim.
(B) Não.
14. "Restos do carnaval" é considerado um conto psicológico. Preencha os espaços com as palavras do quadro para completar o conceito desse gênero. Mas cuidado, pois há três delas que não são adequadas ao contexto.
anseios - consciente - defeitos - ficção - interior — mistura
organizada — realidade - reflexão - social - viagem |
O conto psicológico é um texto narrativo cujo foco é a investigação do mundo
das personagens, mostrando seus de forma ou inconsciente. Essa da mente aparece por meio da e do fluxo de consciência apresentado no enredo e sua relação entre a e a fantasia. Outro aspecto importante desse género textual é o fato de que o tempo psicológico não precisa aparecer de forma , pois há uma entre passado, presente e futuro.
Para descontrair! Assista ao vídeo do conto "Um apólogo" de Machado de Assis
15. Você se lembra do discurso direto livre (técnica narrativa resultante da mistura dos discursos direto e indireto)? Identifique esse tipo de discurso no trecho a seguir, extraído do conto psicológico "Gertrudes pede um conselho", também de Clarice Lispector.
Hoje ia
acontecer alguma coisa! Não pensar 1,2,3,4,5,6,7... Não servia.
Era uma vez
um rapaz cego que... Cego por quê? Não, ele não era cego. Tinha até a vista
muito boa. Agora é que sabia por que Deus, podendo tanto, inventava pessoas
aleijadas, cegas, ruins, Só por distração. Enquanto esperava? Não, Deus nunca
precisa esperar. Que é que ele faz então? Está aí, mesmo que ainda
acreditasse n'Ele (eu não acreditava em Deus, tomava banho bem em cima do
almoço, não usava o uniforme do colégio e resolvera fumar), mesmo que ainda
acreditasse em fantasmas, não poderia achar graça na eternida de. Se fosse
Deus até já teria esquecido de como principiara o mundo. Já há tanto tempo e
com século à frente... A eternidade não começa, não termina. Sentia uma
pequena verti gem, quando procurava imaginá-la, e Deus, sempre em toda a
parte, invisível, sem forma definida. Riu, lembrando-se de quando bebia
avidamente as histórias que lhe contavam.
Tornara-se
bem livre... Mas isso não significava estar contente. E era exatamente o que
a doutora ia explicar.
LISPECTOR, Clarice. Gertrudes pede um conselho. In: A bela e a
fera, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995..
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A seguir, você terá a oportunidade de fazer a leitura, na íntegra, do conto de Lispector, através da leitura "mediada", isto é, por meio de questões intercaladas à leitura que possibilitam condições para o leitor entrar em contato profundo com o texto.
Boa leitura!
A família foi pouco a pouco chegando. Os que vieram de Olaria estavam muito bem vestidos porque a visita significava ao mesmo tempo um passeio a Copacabana. A nora de Olaria apareceu de azul-marinho, com enfeite de paetês e um drapeado disfarçando a barriga sem cinta. O marido não veio por razões óbvias: não queria ver os irmãos. Mas mandara sua mulher para que nem todos os laços fossem cortados — e esta vinha com o seu melhor vestido para mostrar que não precisava de nenhum deles, acompanhada dos três filhos: duas meninas já de peito nascendo, infantilizadas em babados cor-de-rosa e anáguas engomadas, e o menino acovardado pelo terno novo e pela gravata.Tendo Zilda — a filha com quem a aniversariante morava — disposto cadeiras unidas ao longo das paredes, como numa festa em que se vai dançar, a nora de Olaria, depois de cumprimentar com cara fechada aos de casa, aboletou-se numa das cadeiras e emudeceu, a boca em bico, mantendo sua posição de ultrajada. “Vim para não deixar de vir”, dissera ela a Zilda, e em seguida sentara-se ofendida. As duas mocinhas de cor-de-rosa e o menino, amarelos e de cabelo penteado, não sabiam bem que atitude tomar e ficaram de pé ao lado da mãe, impressionados com seu vestido azul-marinho e com os paetês.
Depois veio a nora de Ipanema com dois netos e a babá. O marido viria depois. E como Zilda — a única mulher entre os seis irmãos homens e a única que, estava decidido já havia anos, tinha espaço e tempo para alojar a aniversariante — e como Zilda estava na cozinha a ultimar com a empregada os croquetes e sanduíches, ficaram: a nora de Olaria empertigada com seus filhos de coração inquieto ao lado; a nora de Ipanema na fila oposta das cadeiras fingindo ocupar-se com o bebê para não encarar a concunhada de Olaria; a babá ociosa e uniformizada, com a boca aberta.
E à cabeceira da mesa grande a aniversariante que fazia hoje oitenta e nove anos.
Zilda, a dona da casa, arrumara a mesa cedo, enchera-a de guardanapos de papel colorido e copos de papelão alusivos à data, espalhara balões sungados pelo teto em alguns dos quais estava escrito “Happy Birthday!”, em outros “Feliz Aniversário!” No centro havia disposto o enorme bolo açucarado. Para adiantar o expediente, enfeitara a mesa logo depois do almoço, encostara as cadeiras à parede, mandara os meninos brincar no vizinho para não desarrumar a mesa.
E, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante logo depois do almoço. Pusera-lhe desde então a presilha em torno do pescoço e o broche, borrifara-lhe um pouco de água-de-colônia para disfarçar aquele seu cheiro de guardado — sentara-a à mesa. E desde as duas horas a aniversariante estava sentada à cabeceira da longa mesa vazia, tesa na sala silenciosa.
De vez em quando consciente dos guardanapos coloridos. Olhando curiosa um ou outro balão estremecer aos carros que passavam. E de vez em quando aquela angústia muda: quando acompanhava, fascinada e impotente, o vôo da mosca em torno do bolo.
Até que às quatro horas entrara a nora de Olaria e depois a de Ipanema.
Quando a nora de Ipanema pensou que não suportaria nem um segundo mais a situação de estar sentada defronte da concunhada de Olaria — que cheia das ofensas passadas não via um motivo para desfitar desafiadora a nora de Ipanema — entraram enfim José e a família. E mal eles se beijavam, a sala começou a ficar cheia de gente que ruidosa se cumprimentava como se todos tivessem esperado embaixo o momento de, em afobação de atraso, subir os três lances de escada, falando, arrastando crianças surpreendidas, enchendo a sala — e inaugurando a festa.
Os músculos do rosto da aniversariante não a interpretavam mais, de modo que ninguém podia saber se ela estava alegre. Estava era posta á cabeceira. Tratava-se de uma velha grande, magra, imponente e morena. Parecia oca.
— Oitenta e nove anos, sim senhor! disse José, filho mais velho agora que Jonga tinha morrido. — Oitenta e nove anos, sim senhora! disse esfregando as mãos em admiração pública e como sinal imperceptível para todos.
Todos se interromperam atentos e olharam a aniversariante de um modo mais oficial. Alguns abanaram a cabeça em admiração como a um recorde. Cada ano vencido pela aniversariante era uma vaga etapa da família toda. Sim senhor! disseram alguns sorrindo timidamente.
— Oitenta e nove anos!, ecoou Manoel que era sócio de José. É um brotinho!, disse espirituoso e nervoso, e todos riram, menos sua esposa.
A velha não se manifestava.
Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos — nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.
— Oitenta e nove anos! repetiu Manoel aflito, olhando para a esposa.
A velha não se manifestava.
Então, como se todos tivessem tido a prova final de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. O ponche foi servido, Zilda suava, nenhuma cunhada ajudou propriamente, a gordura quente dos croquetes dava um cheiro de piquenique; e de costas para a aniversariante, que não podia comer frituras, eles riam inquietos. E Cordélia? Cordélia, a nora mais moça, sentada, sorrindo.
— Não senhor! respondeu José com falsa severidade, hoje não se fala em negócios!
— Está certo, está certo! recuou Manoel depressa, olhando rapidamente para sua mulher que de longe estendia um ouvido atento.
— Nada de negócios, gritou José, hoje é o dia da mãe!
Na cabeceira da mesa já suja, os copos maculados, só o bolo inteiro — ela era a mãe. A aniversariante piscou os olhos.
E quando a mesa estava imunda, as mães enervadas com o barulho que os filhos faziam, enquanto as avós se recostavam complacentes nas cadeiras, então fecharam a inútil luz do corredor para acender a vela do bolo, uma vela grande com um papelzinho colado onde estava escrito “89″. Mas ninguém elogiou a idéia de Zilda, e ela se perguntou angustiada se eles não estariam pensando que fora por economia de velas — ninguém se lembrando de que ninguém havia contribuído com uma caixa de fósforos sequer para a comida da festa que ela, Zilda, servia como uma escrava, os pés exaustos e o coração revoltado. Então acenderam a vela. E então José, o líder, cantou com muita força, entusiasmando com um olhar autoritário os mais hesitantes ou surpreendidos, “vamos! todos de uma vez!” — e todos de repente começaram a cantar alto como soldados. Despertada pelas vozes, Cordélia olhou esbaforida. Como não haviam combinado, uns cantaram em português e outros em inglês. Tentaram então corrigir: e os que haviam cantado em inglês passaram a português, e os que haviam cantado em português passaram a cantar bem baixo em inglês.
Enquanto cantavam, a aniversariante, à luz da vela acesa, meditava como junto de uma lareira.
Escolheram o bisneto menor que, debruçado no colo da mãe encorajadora, apagou a chama com um único sopro cheio de saliva! Por um instante bateram palmas à potência inesperada do menino que, espantado e exultante, olhava para todos encantado. A dona da casa esperava com o dedo pronto no comutador do corredor – e acendeu a lâmpada.
— Viva mamãe!
— Viva vovó!
— Viva D. Anita, disse a vizinha que tinha aparecido.
— Happy birthday! gritaram os netos, do Colégio Bennett.
Bateram ainda algumas palmas ralas.
A aniversariante olhava o bolo apagado, grande e seco.
— Parta o bolo, vovó! disse a mãe dos quatro filhos, é ela quem deve partir! assegurou incerta a todos, com ar íntimo e intrigante. E, como todos aprovassem satisfeitos e curiosos, ela se tornou de repente impetuosa: — parta o bolo, vovó!
E de súbito a velha pegou na faca. E sem hesitação , como se hesitando um momento ela toda caísse para a frente, deu a primeira talhada com punho de assassina.
— Que força, segredou a nora de Ipanema, e não se sabia se estava escandalizada ou agradavelmente surpreendida. Estava um pouco horrorizada.
— Há um ano atrás ela ainda era capaz de subir essas escadas com mais fôlego do que eu, disse Zilda amarga.
Dada a primeira talhada, como se a primeira pá de terra tivesse sido lançada, todos se aproximaram de prato na mão, insinuando-se em fingidas acotoveladas de animação, cada um para a sua pazinha.
Em breve as fatias eram distribuídas pelos pratinhos, num silêncio cheio de rebuliço. As crianças pequenas, com a boca escondida pela mesa e os olhos ao nível desta, acompanhavam a distribuição com muda intensidade. As passas rolavam do bolo entre farelos secos. As crianças angustiadas viam se desperdiçarem as passas, acompanhavam atentas a queda.
E quando foram ver, não é que a aniversariante já estava devorando o seu último bocado?
E por assim dizer a festa estava terminada. Cordélia olhava ausente para todos, sorria.
— Já lhe disse: hoje não se fala em negócios! respondeu José radiante.
— Está certo, está certo! recolheu-se Manoel conciliador sem olhar a esposa que não o desfitava. Está certo, tentou Manoel sorrir e uma contração passou-lhe rápido pelos músculos da cara.
— Hoje é dia da mãe! disse José.
Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! como tendo sido tão forte pudera dar á luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.
— Mamãe! gritou mortificada a dona da casa. Que é isso, mamãe! gritou ela passada de vergonha, e não queria sequer olhar os outros, sabia que os desgraçados se entreolhavam vitoriosos como se coubesse a ela dar educação à velha, e não faltaria muito para dizerem que ela já não dava mais banho na mãe, jamais compreenderiam o sacrifício que ela fazia. — Mamãe, que é isso! — disse baixo, angustiada. — A senhora nunca fez isso! — acrescentou alto para que todos ouvissem, queria se agregar ao espanto dos outros, quando o galo cantar pela terceira vez renegarás tua mãe. Mas seu enorme vexame suavizou-se quando ela percebeu que eles abanavam a cabeça como se estivessem de acordo que a velha não passava agora de uma criança.
— Ultimamente ela deu pra cuspir, terminou então confessando contrita para todos.
Todos olharam a aniversariante, compungidos, respeitosos, em silêncio.
Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Os meninos, embora crescidos — provavelmente já além dos cinqüenta anos, que sei eu! — os meninos ainda conservavam os traços bonitinhos. Mas que mulheres haviam escolhido! E que mulheres os netos — ainda mais fracos e mais azedos — haviam escolhido. Todas vaidosas e de pernas finas, com aqueles colares falsificados de mulher que na hora não agüenta a mão, aquelas mulherezinhas que casavam mal os filhos, que não sabiam pôr uma criada em seu lugar, e todas elas com as orelhas cheias de brincos — nenhum, nenhum de ouro! A raiva a sufocava.
— Me dá um copo de vinho! disse.
O silêncio se fez de súbito, cada um com o copo imobilizado na mão.
— Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosa a neta roliça e baixinha.
— Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. — Que o diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! me dá um copo de vinho, Dorothy! — ordenou.
Dorothy não sabia o que fazer, olhou para todos em pedido cômico de socorro. Mas, como máscaras isentas e inapeláveis, de súbito nenhum rosto se manifestava. A festa interrompida, os sanduíches mordidos na mão, algum pedaço que estava na boca a sobrar seco, inchando tão fora de hora a bochecha. Todos tinham ficado cegos, surdos e mudos, com croquetes na mão. E olhavam impassíveis.
Desamparada, divertida, Dorothy deu o vinho: astuciosamente apenas dois dedos no copo. Inexpressivos, preparados, todos esperaram pela tempestade.
Mas não só a aniversariante não explodiu com a miséria de vinho que Dorothy lhe dera como não mexeu no copo. Seu olhar estava fixo, silencioso. Como se nada tivesse acontecido.
Todos se entreolharam polidos, sorrindo cegamente, abstratos como se um cachorro tivesse feito pipi na sala. Com estoicismo, recomeçaram as vozes e risadas. A nora de Olaria, que tivera o seu primeiro momento uníssono com os outros quando a tragédia vitoriosamente parecia prestes a se desencadear, teve que retornar sozinha à sua severidade, sem ao menos o apoio dos três filhos que agora se misturavam traidoramente com os outros. De sua cadeira reclusa, ela analisava crítica aqueles vestidos sem nenhum modelo, sem um drapeado, a mania que tinham de usar vestido preto com colar de pérolas, o que não era moda coisa nenhuma, não passava era de economia. Examinando distante os sanduíches que quase não tinham levado manteiga. Ela não se servira de nada, de nada! Só comera uma coisa de cada, para experimentar.
E por assim dizer, de novo a festa estava terminada. As pessoas ficaram sentadas benevolentes. Algumas com a atenção voltada para dentro de si, à espera de alguma coisa a dizer. Outras vazias e expectantes, com um sorriso amável, o estômago cheio daquelas porcarias que não alimentavam mas tiravam a fome. As crianças, já incontroláveis
, gritavam cheias de vigor. Umas já estavam de cara imunda; as outras, menores, já molhadas; a tarde cala rapidamente. E Cordélia, Cordélia olhava ausente, com um sorriso estonteado, suportando sozinha o seu segredo. Que é que ela tem? alguém perguntou com uma curiosidade negligente, indicando-a de longe com a cabeça, mas também não responderam. Acenderam o resto das luzes para precipitar a tranqüilidade da noite, as crianças começavam a brigar. Mas as luzes eram mais pálidas que a tensão pálida da tarde. E o crepúsculo de Copacabana, sem ceder, no entanto se alargava cada vez mais e penetrava pelas janelas como um peso.
— Tenho que ir, disse perturbada uma das noras levantando-se e sacudindo os farelos da saia. Vários se ergueram sorrindo.
A aniversariante recebeu um beijo cauteloso de cada um como se sua pele tão infamiliar fosse uma armadilha. E, impassível, piscando, recebeu aquelas palavras propositadamente atropeladas que lhe diziam tentando dar um final arranco de efusão ao que não era mais senão passado: a noite já viera quase totalmente. A luz da sala parecia então mais amarela e mais rica, as pessoas envelhecidas. As crianças já estavam histéricas.
— Será que ela pensa que o bolo substitui o jantar, indagava-se a velha nas suas profundezas.
Mas ninguém poderia adivinhar o que ela pensava. E para aqueles que junto da porta ainda a olharam uma vez, a aniversariante era apenas o que parecia ser: sentada à cabeceira da mesa imunda, com a mão fechada sobre a toalha como encerrando um cetro, e com aquela mudez que era a sua última palavra. Com um punho fechado sobre a mesa, nunca mais ela seria apenas o que ela pensasse. Sua aparência afinal a ultrapassara e, superando-a, se agigantava serena. Cordélia olhou-a espantada. O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.
Porém nenhuma vez mais repetiu. Porque a verdade era um relance. Cordélia olhou-a estarrecida. E, para nunca mais, nenhuma vez repetiu — enquanto Rodrigo, o neto da aniversariante, puxava a mão daquela mãe culpada, perplexa e desesperada que mais uma vez olhou para trás implorando à velhice ainda um sinal de que uma mulher deve, num ímpeto dilacerante, enfim agarrar a sua derradeira chance e viver. Mais uma vez Cordélia quis olhar.
Mas a esse novo olhar — a aniversariante era uma velha à cabeceira da mesa.
Passara o relance. E arrastada pela mão paciente e insistente de Rodrigo a nora seguiu-o espantada.
— Nem todos têm o privilégio e o orgulho de se reunirem em torno da mãe, pigarreou José lembrando-se de que Jonga é quem fazia os discursos.
— Da mãe, vírgula! riu baixo a sobrinha, e a prima mais lenta riu sem achar graça.
— Nós temos, disse Manoel acabrunhado sem mais olhar para a esposa. Nós temos esse grande privilégio disse distraído enxugando a palma úmida das mãos.
Mas não era nada disso, apenas o mal-estar da despedida, nunca se sabendo ao certo o que dizer, José esperando de si mesmo com perseverança e confiança a próxima frase do discurso. Que não vinha. Que não vinha. Que não vinha. Os outros aguardavam. Como Jonga fazia falta nessas horas — José enxugou a testa com o, lenço — como Jonga fazia falta nessas horas! Também fora o único a quem a velha sempre aprovara e respeitara, e isso dera a Jonga tanta segurança. E quando ele morrera, a velha nunca mais falara nele, pondo um muro entre sua morte e os outros. Esquecera-o talvez. Mas não esquecera aquele mesmo olhar firme e direto com que desde sempre olhara os outros filhos, fazendo-os sempre desviar os olhos. Amor de mãe era duro de suportar: José enxugou a testa, heróico, risonho.
E de repente veio a frase:
— Até o ano que vem! disse José subitamente com malícia, encontrando, assim, sem mais nem menos, a frase certa: uma indireta feliz! Até o ano que vem, hein?, repetiu com receio de não ser compreendido.
Olhou-a, orgulhoso da artimanha da velha que espertamente sempre vivia mais um ano.
— No ano que vem nos veremos diante do bolo aceso! esclareceu melhor o filho Manoel, aperfeiçoando o espírito do sócio. Até o ano que vem, mamãe! e diante do bolo aceso! disse ele bem explicado, perto de seu ouvido, enquanto olhava obsequiador para José. E a velha de súbito cacarejou um riso frouxo, compreendendo a alusão.
Então ela abriu a boca e disse:
— Pois é.
Estimulado pela coisa ter dado tão inesperadamente certo, José gritou-lhe emocionado, grato, com os olhos úmidos:
— No ano que vem nos veremos, mamãe!
— Não sou surda! disse a aniversariante rude, acarinhada.
Os filhos se olharam rindo, vexados, felizes. A coisa tinha dado certo.
As crianças foram saindo alegres, com o apetite estragado. A nora de Olaria deu um cascudo de vingança no filho alegre demais e já sem gravata. As escadas eram difíceis, escuras, incrível insistir em morar num prediozinho que seria fatalmente demolido mais dia menos dia, e na ação de despejo Zilda ainda ia dar trabalho e querer empurrar a velha para as noras — pisado o último degrau, com alívio os convidados se encontraram na tranqüilidade fresca da rua. Era noite, sim. Com o seu primeiro arrepio.
Adeus, até outro dia, precisamos nos ver. Apareçam, disseram rapidamente. Alguns conseguiram olhar nos olhos dos outros com uma cordialidade sem receio. Alguns abotoavam os casacos das crianças, olhando o céu à procura de um sinal do tempo. Todos sentindo obscuramente que na despedida se poderia talvez, agora sem perigo de compromisso, ser bom e dizer aquela palavra a mais — que palavra? eles não sabiam propriamente, e olhavam-se sorrindo, mudos. Era um instante que pedia para ser vivo. Mas que era morto. Começaram a se separar, andando meio de costas, sem saber como se desligar dos parentes sem brusquidão.
— Até o ano que vem! repetiu José a indireta feliz, acenando a mão com vigor efusivo, os cabelos ralos e brancos esvoaçavam. Ele estava era gordo, pensaram, precisava tomar cuidado com o coração. Até o ano que vem! gritou José eloqüente e grande, e sua altura parecia desmoronável. Mas as pessoas já afastadas não sabiam se deviam rir alto para ele ouvir ou se bastaria sorrir mesmo no escuro. Além de alguns pensarem que felizmente havia mais do que uma brincadeira na indireta e que só no próximo ano seriam obrigados a se encontrar diante do bolo aceso; enquanto que outros, já mais no escuro da rua, pensavam se a velha resistiria mais um ano ao nervoso e à impaciência de Zilda, mas eles sinceramente nada podiam fazer a respeito: “Pelo menos noventa anos”, pensou melancólica a nora de Ipanema. “Para completar uma data bonita”, pensou sonhadora.
Enquanto isso, lá em cima, sobre escadas e contingências, estava a aniversariante sentada à cabeceira da mesa, erecta, definitiva, maior do que ela mesma. Será que hoje não vai ter jantar, meditava ela. A morte era o seu mistério.
Clarice Lispector Extraído do livro Laços de Família, Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1998
* gênero textual.
* foco narrativo.
* tempo cronológico.
* tempo psicológico.
* universo da personagem>
Qual é a resposta da questão 7? Estou com dificuldade
ResponderExcluirQual é a resposta da questão 7? Estou com dificuldade
ResponderExcluirDe acordo com o desenvolvimento da narrativa sobre a jovem Gertrudes, o leitor pode ter suas previsões frustradas, tal como a protagonista da história, pois a psicóloga não satisfaz as necessidades da garota que a estória toda ansiava por uma resposta às suas dúvidas.
ExcluirContudo, a adolescente consegue compreender seus impulsos sentimentais quando, ao sair do consultório, depara-se com o olhar de um jovem rapaz que cruz o caminho dela.
Percebe-se a predominância de descrições psicológicas nesse conto, tendo em vista que se trata de um conto psicológico.
O público-alvo deste conto são os jovens e ou qualquer pessoa que se interesse pelas obras de Clarice Lispector.
qual é a resposta da 10? Não consegui entender
ResponderExcluirOlá, um dos trechos que revela a voz da personagem é "Hoje ia acontecer alguma coisa! Não pensar 1, 2, 3, 4, 5, 6..."
ExcluirE, um dos trechos que demonstra a voz do narrador é "Não servia"
Esse trecho demonstra claramente que se trata de um tipo de narrador onisciente, pois não apenas conta a história mediante as ações da personagem, mas é capaz de narrar os pensamentos e sentimentos dela. Ou seja, o narrador onisciente tudo sabe sobre as personagens da história, quanto o narrador observador limita-se em contar apenas o que é possível ser observado por ele.
Qual o tempo psicológico e cronologico do texto por favor?
ResponderExcluirNo caso do conto "Gertrudes pede um conselho, o tempo cronológico é o tempo em que ela espera na recepção do consultório, o momento em que ela está na sessão com a psicóloga até o momento em que ela sai do consultório e se depara com um rapaz. Não fica explicito na narrativa, mas podemos inferir que seja aproximadamente um período do dias, algumas horas. Já o tempo psicológico é marcado pelas lembranças da infância da protagonista, quando ela recorda de algumas cenas do passado, bem como faz reflexões do momento presente juntamente com projeções futuras (imaginando como seria o seu atendimento com a psicóloga.
Excluir“Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz!” A felicidade almejada pelo eu lírico da canção é a mesma da personagem do conto “Restos do carnaval”? Qual é a resposta estou com dificuldade para responder
ResponderExcluirPode-se observar no conto e na canção a presença de antíteses, que relacionam a alegria do carnaval e a tristeza, sentimento que deveria ser incomum nessa festividade, mas que atinge a personagem do conto e o eu lírico da canção.
ExcluirQuais são as respostas da 13 e 14?
ResponderExcluirA resposta da 13 é a. (A), b. (B), c (A), d. (C), e. (C), f. (C), g. (C), h. (B).
Excluir14 - interior - anseios - consciente - viagem - reflexão - realidade - organização - mistura.
Qual a resposta da 17 por favor?
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